As Lembranças Sobrevivem

01 novembro, 2011Flávia Frota

Meu avô Teóphilo Bezerra

As Lembranças Sobrevivem

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Incomparáveis

Pessoas incomparáveis não morrem jamais, permanecem vivas no coração da gente.

Teóphilo Bezerra

Pensei em fazer uma homenagem ao meu avô Teóphilo Bezerra, por ocasião do Dia de Finados. Por não ter chegado a conhecê-lo, fui buscar informações relendo o livro Retrato de Família, que tem um capítulo dedicado a ele. A autora, Regina Coeli Araújo de Carvalho, era sua sobrinha.

Viagens Literárias

O texto sentimental me remeteu a uma época distante. Adoro essas viagens literárias, saio voando nas páginas dos livros e vou embora, desta vez fui ao encontro do meu avô…

Retrato de Família

De tão linda e encantada a narrativa, tive a certeza de que ele já foi muito bem homenageado. Resolvi, então, reproduzir aqui uma parte do original e aproveitar a oportunidade para registrar minha admiração pela escritora, que também já partiu.

Capa do Livro

Retrato de Família – Regina Coeli Araújo de Carvalho

Tio Téo

Teóphilo Bezerra. Este era o nome do meu tio Téo. Sujeito bacana, ele. Muito sentimental. Afetivo às pampas, amava a família com intensidade. De uma solidariedade incomparável com os parentes. Em quaisquer circunstâncias. Sua dedicação e zelo pelas filhas não conheciam limites, jamais. Puxou ao pai. Para ambos o amor à família tinha que funcionar, custasse o que custasse. Tio Téo morou muitos anos conosco.[…]

Posso dizer que conheci intimamente tio Téo. Viveu com a gente um tempão. Ele era um rapaz bonito. Claro, olhos cinza – esverdeados, louro, muito corado. Um “alemão”, nascido em Manaus.[…]

Tio Téo era um romântico, poeta, sonhador.[…]

Tio Téo foi funcionário da Saúde Pública (estadual) durante muitos anos. Mais tarde, empregou-se na Legião Brasileira de Assistência. Sua vida funcional foi um exemplo de conduta e pontualidade. Nunca faltava ao emprego anos e anos, ali firme. Gente como o tio Téo não se encontra mais. Muito modesto, pobre mesmo, mas de uma integridade sem igual. Viveu uma vida de sacrifícios: família grande e pouco salário. Os problemas que teve que enfrentar são fáceis de se avaliar.[…]

Tio Téo era uma pessoa muito sensível. Jamais ficou indiferente ao sofrimento alheio e não perdia as oportunidades para ajudar a quem dele precisasse. Pessoa muito humana, chegava a ser humilde. A vida o fez assim, tudo uma questão de consequência pelos baques e sofrimentos que teve de enfrentar. E não foram poucos. Muito calado, no silêncio ele encontrava as soluções para a sua realidade. Todas as tardes, voltando do emprego, ele passava pela nossa casa. Trazia invariavelmente um pão embrulhado, quente e torradinho. Era o jantar da família. Conversava um pouquinho com todos e ia logo embora.

Quando estava em dificuldades mal abria a boca para cumprimentar e se despedir. Era sintomático: aquele silêncio era a prova de que estava sofrendo. De um jeito ou de outro, com muita bondade, até revelando uma certa pachorrice, ele me deixava tirar os bicos do pão ainda morno e estalando de novinho.

Às vezes, eu fico pensando: por ser tão manso e pacífico, tio Téo, não merecia ter se acabado daquele jeito. Sua morte foi pura violência. Brutalmente esmagado por um Jippe. Não falam que violência gera violência? Tio Téo, pelo que foi, pela sua vida, merecia ter morrido mansamente, em surdina num dia cinzento prateado, sob a música suave e baixinha das flautas e dos violinos dos anjos. E ir se extinguindo devagarinho, sem choques, tranquilamente.  Como sempre viveu. Exatamente como as aves do céu.

Tio Téo nasceu em Manaus a 18 de novembro de 1897 e faleceu a 04 de fevereiro de 1960. Aqui peço perdão ao meu tio por ter revelado a sua idade. Isto, para ele era como um “segredo de Estado”. Era o seu único e inviolável segredo. Mistério total. Se ele ainda estivesse conosco, minhas anotações, agora, seriam falsas. Ele diminuiria os anos, no duro. “Você pode garantir? Assistiu à minha mãe me parir? Só quem sabe da minha idade sou eu. Pronto”. Esta era a habitual resposta que ele dava a quem se intrometesse a comentar sua idade, sua velhice. Ficava roxo de raiva. E a gente caía em cima dele, brincando, tachando-o de “idoso”. Era o fim. Ele se retirava, zangado.

Meu Avô

Agora as minhas palavras de neta que não chegou a conhecer o avô

Meu avô não deixou herança em bens nem dinheiro. Seu tesouro foi um baú de virtudes, hoje disputadas a peso de ouro. Seu legado foi honestidade e simplicidade, valores incalculáveis, impossíveis de serem contabilizados. Seu patrimônio não era material, não deixou falência nem falta de prestígio, porque sua riqueza era amor, caridade, perdão e humildade.

Exemplo

Ele não recebeu homenagens póstumas, não deu nome a nenhuma rua, mas deve se sentir feliz por ter deixado algo muito mais importante: exemplo de vida a ser seguido.

Dignidade

Quando se vive de aparência e vaidade, muitas vezes o que sobra para os que ficam é amargar o declínio, a decadência e a perda de status. Em compensação, para os que partem deixando valores morais, os bens terrenos pouco importam, eles só terão valor se acompanhados dos tesouros da dignidade pessoal. No final, o que conta mesmo na vida é a consciência tranquila, a sensação de leveza por ter sido autêntico, e o orgulho do dever cumprido.

Dia de Finados

O Dia de Finados nos faz refletir sobre a brevidade do tempo na terra, e que, para desfrutar da vida eterna não é necessário ser um político influente, empresário de sucesso ou personalidade de destaque. O visto para o céu é democrático, qualquer um pode ter, basta fazer o bem, amar ao próximo como a si mesmo e deixar de lado as futilidades, o orgulho e o egoísmo, entre tantas outras imperfeições.

Hoje, sem cerimônias e protocolos, as pessoas que nos foram queridas são lembradas com uma homenagem sincera, vinda do fundo da alma, lembranças que o dinheiro não compra e o tempo não apaga.

Discretamente

A figura do meu avô aqui representa todos os seres que passaram pela vida discretamente, sem serem reverenciados pelos valores que a sociedade cultua. Pessoas anônimas que permanecem vivas e reconhecidas no íntimo daqueles a quem tocaram o coração.

Cartão de Família

Cartão de Família

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