Glosando Nossas Avós

25 setembro, 2012Flávia Frota

Astrid Cabral

Glosando Nossas Avós

Em seu poema Glosando Minha Avó, Astrid Cabral faz uma crítica às mulheres da sociedade pequeno-burguesa, que só por terem algum estudo e uma condição financeira razoável, recusam-se ao trabalho doméstico e ainda menosprezam aquelas que assumem este papel.

Nossas Avós

Quando a poeta se refere á sua avó, também lembro da minha, que usava a mesma expressão: “não me caem os dedos da mão”. Recordo tantas outras figuras femininas que podem ilustrar o poema, mulheres prendadas, virtuosas, multitarefas, inteligentes e sobre tudo amorosas – e ainda assim, modernas.

A própria  Astrid é um exemplo, ela faz questão de dizer que além de profissional e mãe de cinco filhos, sempre foi – e continua sendo – dona de casa, e que isso não a diminui, mas a completa e realiza.

Dona Eunice

Em uma palestra, a escritora contou a origem do poema. Certa vez uma pessoa passou em frente à casa de sua avó e a viu fazendo limpeza. Admirada perguntou: – Mas dona Eunice, a senhora fazendo isso? Ao que sua avó respondeu: – Sim, e não me caem dos dedos da mão.

Põe a Mão na Massa

Hoje o status de mulher chique e moderna não permite ser também dona de casa e mãe “que põe a mão na massa e no trato com os filhos”. O lado prático, o cotidiano, o trabalho propriamente dito, deve ser terceirizado, sob pena da mulher ser considerada Amélia, retrógrada ou de poucas posses. Sim, porque reza a lenda que a mulher atual e bem sucedida, não deve perder tempo com tarefas consideradas subalternas.

Ser quem se é

Sem saudosismo nem retrocesso, mas principalmente sem ar de superioridade, por favor. Nossas avós não tinham vergonha de ser o que eram, não precisavam parecer melhores e talvez tenham sido até mais felizes do que nós, vá lá saber…

O que interessa é que a mulher sempre foi e continua sendo discriminada. Só que hoje, muito do preconceito vem das próprias mulheres. Isso causa sofrimento ao sexo que procura ser forte, mas tem sempre um quê de fraco, nem que seja apenas na delicadeza e ternura. Então por que temos que abrir mão de brincar de casinha e de brincar de mãe e filho com responsabilidade e comprometimento?

Passamos a infância ensaiando esses papéis – e as crianças de hoje ainda brincam assim, apesar da abordagem mais atual – e quando chega a hora de representá-lo na vida real somos quase impedidas ou então punidas por exercer esse lado-mulher.

Habilidades Femininas

Sem cobranças, cada uma tem seus talentos e preferências, mas normalmente, toda mulher tem habilidades que, colocadas em prática, sem moleza e medo, tornam a elas, aos lares e às famílias mais felizes.

Magnífico

Dona Eunice, a senhora tem toda razão! Ao cuidar da casa e dos filhos não nos caem os dedos da mão. “Dedos foram feitos para o exercício do magnífico e do mínimo”, e fazer a alegria dos filhos, usufruir da sensação do dever cumprido e do bom funcionamento do lar, é magnífico mesmo!

Astrid Cabral

Astrid Cabral

Glosando Minha Avó

Astrid Cabral

Não, não me caem os dedos da mão

se esfrego nódoas no algodão

se prego botões ou remendo rasgões

se me calejo com rodos e vassouras

ou esquartejo réstias de cebolas.

Não, não me caem os dedos da mão

se limpo cuspe, gosma de feridas

rastros de urina, catarro nas pias

lodo nos ralos, restos de festas

e fezes, o lixo no saldo dos dias.

Não, não me caem os dedos da mão

se eles mergulham o núcleo da lama

e o mar redentor de cloro e sabão.

Dedos não são monopólios de cordas

de violão e viola, nem tampouco

das teclas de pianos e máquinas.

Dedos não pertencem somente

a riscos e rabiscos de canetas

a bailados de amor e ternura

a bofetões de incontida fúria.

Dedos não se destinam apenas

ao requinte de merendas e rendas

à contradança de talheres

à cintilação de alianças e anéis.

Dedos foram feitos para o exercício

do magnífico e do mínimo.

No universo cabendo qualquer gesto

não nos caem os dedos da mão.

Livro: Intramuros 

 

del.Mulher-limpando-vidro

“Àquelas companheiras que põe a mão na massa do pão e da palavra”.

Astrid Cabral, poeta amazonense que me encanta e inspira…

Astrid Cabral

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Eu e Astrid Cabral no III Colóquio Internacional Poéticas do Imaginário | 2012

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