Vamos montar uma Biblioteca Ribeirinha?

30 outubro, 2013Flávia Frota

Tenho um convite para você: ajudar a criar uma biblioteca para as crianças ribeirinhas da Escola Municipal Ademilde da Fonseca, na comunidade de Paculabo, em Presidente Figueiredo-AM.

O projeto idealizado pela professora Ivânia Cláudia Santos, aceita livros de literatura infantil, juvenil e adulta em qualquer idioma. E ainda livros didáticos, revistas, gibis, enciclopédias, dicionários, CDs, DVDs, audiolivros, cadernos e tudo que possa servir para educação.

Escola Municipal Ademilde Fonseca. Presidente Figueiredo-AM.

Escola Municipal Ademilde da Fonseca. Presidente Figueiredo-AM.

As paisagens amazônicas são lindas, sedutoras e encantadoras. Mas a realidade da vida do nosso caboclo ribeirinho contrasta com toda essa riqueza, pujança e beleza, principalmente quando o assunto é educação.

Recentemente a professora Ivânia me procurou para falar sobre sua vontade de criar uma biblioteca para a escola em que trabalha. Ela contou que os alunos não têm acesso a livros, e que os poucos exemplares que lhes chegam às mãos, são recebidos com alegria, interesse e até devotamento. Daí partiu a vontade dela de arrecadar livros para montar uma biblioteca na escola.

Transporte de alunos

Transporte de alunos

Como o leitor já sabe, este blog nasceu e existe tão somente para incentivar a leitura, o pensamento e a escrita. E nada mais dignificante do que criarmos juntos uma biblioteca e sermos responsáveis por levar a leitura a crianças a quem a educação chega de maneira tão difícil.

Para fazer parte desse projeto é muito simples: separe seus livros que quer doar e envie para o endereço que está no final deste post.

Isolamento: Desafio geográfico

Isolamento: Desafio geográfico

Realidade Amazônica

Aos imensos desafios geográficos e econômicos do Amazonas, juntam-se também o esquecimento e o conformismo, tantos direitos que para os moradores da capital são possíveis, para um caboclo do interior são algo inacessível e até inimaginável.

Para ilustrar o assunto e sensibilizar o coração do leitor, vou transcrever aqui algumas partes do livro-reportgem Beiradão de Humaitá – Retratos da Solidão, de Andréia Mayumi. Foi um trabalho de Conclusão de Curso para a graduação em Jornalismo na UFAM em 2002.

A primeira vez que li esse livro foi em 2003, ele me sensibilizou demais. Apesar de ser amazonense, nunca tive a oportunidade de conviver mais profundamente com a realidade do interior do estado. Andréia me levou até lá através da magia da leitura, a mesma leitura que estamos aqui tentando tornar viável, possível e real ao criarmos uma biblioteca.

Depois que nasceu o blog sempre tive vontade de compartilhar a obra dela com você, fiel leitor. E hoje, finalmente, aqui está a oportunidade!

É uma narrativa simples e natural que nos permite transitar nessa realidade tão próxima e ao mesmo tempo tão distante, esquecida e escondida. Para nós, amazonenses, é uma experiência regional, traduz a vida e os problemas do nosso povo, nem sempre valorizada, mas sempre escamoteada e disfarçada e até menosprezada.

Uma leitura que me emocionou muito e continua me surpreendendo a cada releitura. Uma visão atual, passam-se os anos mas o cenário de problemas permanece.

E somente com leitura e educação poderemos ter esperança de vislumbrar um novo futuro e melhores condições para esses nossos irmãos.

Espero tocar seu coração leitor, com as palavras da Andréia, para que possamos doar muitos livros e criar muitas bibliotecas a partir dessa experiência que começa agora.

Não me preocupo se o texto está longo, estamos falando de livros e leitura, e quem gosta de ler não conta linhas, conta conhecimento, emoção e prazer.

OBS.: Os livros que serão doados nesta campanha não irão para o Beiradão de Humaitá. O objetivo de divulgar parte desta obra é apenas para mostrar a realidade no interior do Amazonas.

Boa leitura!

O Beiradão de Humaitá - Retratos da Solidão

O Beiradão de Humaitá – Retratos da Solidão

Para escrever seu livro Andréia leu A Selva, de Ferreira de Castro (1930) e Beiradão, de Álvaro Maia (1957), romances que tratam do cotidiano de seringueiros. Ambas as obras abordam a mesma região geográfica tratada em Beiradão de Humaitá – Retratos da Solidão (2002).

Beiradão
Alvaro Maia escreveu sobre uma região que conhecia bem, pois nasceu no seringal Goiabal, em Humaitá. O autor põe na boca do personagem padre Silveira a crítica à situação de abandono em que se encontra o homem ribeirinho: “A gente dos beiradões tinha parcos direitos, considerados favores, apesar de sacrificar a vida no desbravamento da região”.

A Selva
O escritor português Ferreira de Castro passou vários anos de sua adolescência vivendo no seringal Paraíso, em Humaitá. Foi ele próprio um seringueiro.

As localidades Paraíso e Goiabal existem até hoje, embora a atividade da extração da borracha não seja mais praticada nos antigos seringais. Muitas das situações narradas por Ferreira de Castro e Álvaro Maia também existem ainda, como falta de assistência médica, educação, e acesso aos serviços básicos que o Estado, segundo a Constituição, é obrigado a oferecer ao cidadão.

ABC ENTRE REDES E MALHADEIRAS
As carteiras viradas de cabeça para baixo, parecem fazer um protesto silencioso contra a falta de aula. Bandeirinhas que perderam o colorido por causa do sol e do tempo perduram enfileiradas nas paredes. Quase todas em pedaços, atestando que já faz tempo desde a última festa comemorada na escola.

O odor de mofo que se desprende das paredes e portas de madeira confunde-se com o cheiro de abandono. Nada de tagarelice infantil ecoando na sala. No lugar de crianças, teias de aranha, carapanãs e formigas de fogo que fazem uma trilha perto de onde era a mesa da professora. Insetos que agora reinam absolutos onde funcionava a escola da comunidade de Terra Preta, no lago do Acará.

Por falta de professores, a escola não funciona desde o ano passado. Para não perder o ano letivo, as crianças que estudavam lá, foram matriculadas na Escola São Francisco, na comunidade de Bom Jesus, situada na outra margem do lago, no município de Manicoré.

Todas as manhãs, a professora Aurilene Nonato dos Santos, 24, vem de barco buscar os alunos que moram em Terra Preta.

Ela acorda com o canto do galo que a desperta às 4h30. Coa café para tomar com tapioca. Leva uma caneca para seu Raimundo, barqueiro e companheiro de viagens todos os dias. Ela sai de Bom Jesus às 5h30min, e tem que passar em três comunidades. Ainda está escuro, algumas crianças entram no barco ainda sonolentas, carregadas pelas mães. Aurilene faz questão de buscar os alunos pessoalmente, porque tem medo dos perigos da mata. Já ouviu falar de jacaré que comeu criança na beira do rio, numa abocanhada só.

Durante a viagem, enquanto alguns dormem encostados nos colegas, outros aproveitam para fazer a tarefa ali mesmo, dividindo um cantinho com as redes e tarrafas do seu Raimundo pescador. É 7h30 quando todos chegam à escolinha. Aurilene e o barqueiro ajudam os pequenos alunos a descer do barco.

Na sala estudam vinte e uma crianças, com idades entre cinco e quatorze anos. São alunos do pré até a 4ª série que dividem a mesma sala, na chamada turma seriada. A professora se vira como pode. Enquanto explica as matérias de uma série, deixa os outros alunos fazendo exercícios.

AS COMUNIDADES SUPENSAS DE HUMAITÁ

A comunidade de Santa Fé é chamada de “Cidade das Escadas”, pelos moradores de localidades próximas. Tudo em razão das quatro escadas que levam o visitante do porto até a comunidade, situada na parte mais alta do barranco. A menor delas conta com 78 degraus. De baixo não dá para ver quase nada das casas, só os telhados e algumas coberturas de palha das casas de farinha. As diferenças de altitude não são comuns no beiradão, Santa Fé é uma das exceções numa terra de planícies e barrancos. Subir os intermináveis degraus tem sua compensação. A vista lá de cima faz jus ao esforço dispendido.

Na cidade suspensa, uma das escadas, não a menor delas, acaba bem em frente a uma pequena construção de madeira com três grandes janelas abertas para o rio. Dentro, dois grandes bancos de madeira ficam em torno de uma mesa retangular. Há crianças lá. À primeira vista aparentam ter entre cinco e sete anos. Estão sentadas lado a lado nos bancos que não parecem ter sido construídos para crianças. Suas pernas infantis não alcançam o chão. Olhando por baixo da mesa é possível ver vários pezinhos balançando num ritmo agitado, próprio de uma idade que não deixa que fiquem muito tempo sentados. Estão rabiscando alguma coisa nos cadernos em cima da mesa.

Por alguns instantes tiram os olhos do quadro negro e suas atenções voltam-se para quem está entrando na escola neste momento. A professora Catiuce ensina-lhes a dar bom dia para as visitas. Um coro de vozes desencontradas saúda o visitante e sorrisos e expressões de curiosidade brotam dos rostinhos. Catiuce explica o que é jornal, reportagens e sobre a visita inesperada. As explicações da “tia” soam confusas naquele mundo infantil em que as letras e as sílabas começam a despontar.

Chega então a hora das fotos. Aí tudo muda de tom e a comunicação parece estabelecer-se facilmente. Nos primeiros fotogramas eles se divertem fazendo caretas. Eles posam para a câmera e isso basta por enquanto. Mais trinta minutos de fotos e as crianças enjoam da brincadeira. Elas esquecem da intrusa máquina na sala e voltam a prestar atenção na aula. Agora é o momento certo para os cliques.

Catiuce avisa que já é hora de irem para casa. As crianças arrumam o material escolar na bolsa ou nos saquinhos. Os pertences são de uma simplicidade monástica. Ela fecha as janelas e tranca a porta. Esquece de apagar a lição do dia no quadro negro. Volta num passo apressado para casa, explicando que é hora de dar de mamar a sua filha Andrelina.

Ao chegar em casa, corre para a rede onde está o neném que tem pouco mais de oito meses. Enquanto ajeita a pequena em seu colo, Catiuce fala sobre a sua mais nova ocupação na comunidade, dar aula. Há duas semanas ela desocupou o depósito de redes e malhadeiras da comunidade de Santa Fé e resolveu usar o espaço para dar aulas. Nem sempre o lugar abrigou material de pesca, há cinco anos o lugar era a Escola Rural de Santa Fé. A professora que dava aulas na escola, precisou deixar a comunidade e depois disso, não veio ninguém para substituí-la. A escola fechou e virou depósito de malhadeiras.

TUBARÃO E CHINÊS

Dar aula para várias séries na mesma sala não é a principal dificuldade apontada por Catiuce Rodrigues Monteiro, 20, professora da comunidade de Santa Fé. “O mais difícil é fazer eles se concentrarem quando estão de barriga vazia”, diz a professora. Ela conta que na escola em que dá aula, não há merenda. Às vezes ela vai até sua casa e prepara um lanche para seus vinte alunos. “Tem crianças que vem de casa sem nada no estômago. Eu posso passar a manhã todinha explicando a matéria que eles não vão entender nada”, desabafa.

Catiuce dá aula na escola que estava abandonada desde 1997. Ela diz que a última professora saiu da escola e a Secretaria de Educação não mandou mais ninguém. A escola já tinha virado depósito de material de pesca quando pais se reuniram e contrataram a professora para dar aula para vinte crianças, todas na fase de alfabetização. Ela cobra R$ 4,00 por mês por cada aluno.

Mais de trinta crianças ficaram sem aula na época em que a escola foi fechada. Os que moram do outro lado do rio, tiveram que abandonar os estudos, pois a escola mais próxima, fica a uma hora e meia de caminhada, saindo da comunidade onde fica a antiga escola.

Um estreito caminho na mata fechada leva os alunos até lá, onde estudam as irmãs de Catiuce, Carla e Rafaela, de 10 e 12 anos. As meninas acordam às 5h para ir à aula. Mesmo no escuro da madrugada é possível vê-las ainda sonolentas, caminhando pela trilha que vai dar na outra comunidade. As irmãs têm como única companhia, os dois cachorros da casa, Tubarão e Chinês, que as acompanham até a porta da escola

TRANSPORTE ESCOLAR: CANOA

No começo, quem via aquela mulher todos dos dias sentada debaixo da castanheira não entendia nada. Ela vinha de canoa de manhã cedinho, trazendo dois meninos e ficava lá sentada até a hora do almoço. Todos os dias – com exceção de sábado e domingo – a cena se repetia.

O cotidiano de Maria  Dinamor Ferreira Viana, 25, foi assim no ano passado, quando levava seus filhos para a escola que ficava em Castanheira. De Sívida, comunidade em que mora, eram três horas de canoa, contando ida e volta. Como o percurso era longo – o rio Madeira separa as duas comunidades – Dinamor tinha que esperar até o horário de saída dos filhos da escola.

“Fiquei magrinha, magrinha”, diz lembrando-se daquela época. Dinamor fala que todo o esforço valeu a pena, pois ela acha que o estudo é a melhor coisa que deixará para os filhos, um de sete e outro de cinco anos. Em, Sívida, desde 1999 não há professor para dar aula na escola. Cada pai se virou como pode. Algumas crianças vieram morar em outras comunidades com parentes, a fim de estudar. Outras abandonaram a sala de aula e foram ajudar os pais no roçado de mandioca. Dinamor indignou-se “onde meus filhos irão estudar? Se eles estudarem poderão chegar aonde eu não cheguei”, completa.

Mesmo com a maratona de três horas de remada e o perigo constante do ataque de jacarés, cuja população está excessiva na região, Dinamor enfrentava o rio todos os dias. Ficava esperando os filhos de 7h30, horário em que chegava na comunidade, até 11h30, hora em que os meninos saiam. Aí era hora de remar mais uma hora e meia até chegar em casa.  

Trabalho de Conclusão de Curso - Jornalismo

Trabalho de Conclusão de Curso – Jornalismo

POST SCRIPTUM

Se o Beiradão e A Selva fossem escritos hoje, o cenário encontrado pelos respectivos autores não diferiria muito do que foi relatado há pelo menos quarenta anos. […] Antes, a borracha, hoje, a falta de opções econômicas prende o homem à terra, único bem que possui.
[…]
As distâncias geográficas criam dificuldades em todos os aspectos do cotidiano ribeirinho. Alguém que é atacado por jacaré, por exemplo, pode navegar até um dia inteiro, até receber os primeiros cuidados médicos, disponíveis só na sede de Humaitá. Os quilômetros que separam a área ribeirinha da cidade, configuram não só o isolamento geográfico, mas também um tipo de isolamento mais grave – o institucional.

Morando em distantes comunidades, banhadas por lagos, igarapés ou braços de rio, o ribeirinho torna-se invisível para o Estado. Sem certidão de nascimento, registro civil, portanto sem título eleitoral, ele perde a visibilidade para os órgãos responsáveis.

As histórias coletadas ao longo da viagem, eram as mesmas em cada comunidade, uma repetição monótona, atestado do abandono dessas populações. A falta de assistência médica apontada por Ferreira de Castro e Álvaro Maia, ainda persiste. Os inúmeros casos de morte por pneumonia narrados pelas pessoas, mostram o mesmo panorama descrito nos romances.

O uso da internet e das telesalas parece vindo de uma outra era, em locais em que uma mãe tem que remar três horas diárias para que a tradição do analfabetismo no beiradão não seja perpetuada por mais uma geração.

O estado não supre as necessidades mais básicas do cidadão que mora nos beiradões. E ninguém reclama porque de tão desassistidas, as pessoas perderam a noção das coisas a que têm direito. Há uma vaga alusão a escolas, postos de saúde, energia elétrica, quando em ano eleitoral, os candidatos passam nas comunidades distribuindo camisetas e promessas. A impressão que fica no visitante é a de que no beiradão o tempo passa mais devagar. Não pela tranqüilidade da rede depois do almoço ou das conversas na beira da fogueira ao anoitecer. O tempo passa devagar porque lá ainda vive-se como há quarenta anos.

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Como há cinquenta anos!

É essa realidade que nós queremos mudar através da doação de livros e do acesso à leitura.

P.S.: O livro O Beiradão de Humaitá – Retratos da Solidão não foi editado e não tem versão na internet.

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Professora Ivânia Cláudia dos Santos

Celular: (92) 9111-3316

www.facebook.com/ivaniaclaudia.santos

ivaniarkm@hotmail.com

Local de entrega dos Livros:

Representação da Prefeitura de Presidente Figueiredo.

Av. Mário Ypiranga, 1005 (Rua Recife). Cj Agricentro, casa 2. Adrianópolis. Manaus – AM

(primeiro conjunto à direita após o shopping Manauara)

Horário: 8 às 16 horas (segunda à sexta-feira)

Em 2012 o blog Atividade Pensante fez sua primeira campanha – através do Facebook – para ajudar a criação de uma biblioteca. O projeto era dos alunos de jornalismo da Faculdade Martha Falcão. Eu – Flávia Frota – e os leitores do blog participamos doando livros. Nossa pessoa de contato foi a aluna Sara Matos.

Comunidade carente de Manacapuru recebe biblioteca dos alunos da Faculdade Martha Falcão

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