Vinicius: O Poeta da Paixão

14 fevereiro, 2013Flávia Frota
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Flávia Frota

Vinicius: O Poeta da Paixão

“Comigo a natureza enlouqueceu, sou todo coração”

Maiakovsky

Centenário

A figura de Vinicius de Moraes seduz e fascina, sua vida e obra permeiam a imaginação dos apaixonados, sua história se mistura com as paisagens do Rio de Janeiro, cidade maravilhosa que também encanta por sua beleza e alegria. As mulheres foram a razão de seu viver e a grande inspiração para seus versos e canções.

Este ano o nosso poeta apaixonado completaria 100 anos, e uma série de homenagens estão sendo feitas para eternizar ainda mais sua obra. Eu também quero participar destes festejos escrevendo um pouco sobre o que li a respeito do branco mais preto do Brasil na biografia escrita por José Castello, intitulada Vinicius de Moraes, O Poeta da Paixão.

Através deste livro pude conhecer mais de perto a vida do poeta, reviver seus amores, saber como eram suas noites de boêmia e adentrar pelo mundo de encanto, leveza e simplicidade de um personagem sedutor, bem humorado e descontraído.

A magia que envolve esta obra permeada de paixão, trouxe-me inúmeras coincidências que me aproximaram ainda mais do poetinha, como se nossas vidas estivessem entrelaçadas há muito tempo e essa descoberta só tenha sido possível graças à leitura do livro.

Não lembro bem quanto tomei gosto pela poesia de Vinicius de Moraes, mas sei que já o conhecia quando, adolescente, ganhei da minha tia Asa seu primeiro livro.

Em seguida apresentei uma peça teatral no colégio em que declamava O Dia da Criação e minhas colegas recitaram outros poemas também. Foi uma oportunidade de estudar seus versos, e assim cresceu ainda mais meu encanto por sua obra. Durante os anos de faculdade, emprestei muitos livros do poeta na biblioteca para ler nos finais de semana, e agora sim, a paixão incendiava!

Folheto da apresentação teatral de Vinicius de Moraes no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora – Manaus – 1987

 De volta a Vinicius

Mas foi em 2011 que uma amiga-alma-gêmea, como eu também, apaixonada por Vinicius e pelo Rio de Janeiro, me aconselhou a leitura da biografia dele, que se entrelaça com a história da cidade. Sendo indicação dela – que conhece bem meus gostos, devaneios e pensamentos – comprei imediatamente. Mas algo postergou a leitura, até que viajei de férias para o Rio e percebi que aquele seria o momento e o lugar ideal para desvendar o poeta.

E foi na paz de Búzios que comecei a ler um dos livros mais emocionantes da minha vida. Dando continuidade à leitura no Rio, fui atrás dos endereços onde os dias, e principalmente as noites, do poeta se passaram – vida e poesia, passado e presente, paixão e beleza – tudo isso bem ali, ao meu alcance.

Voltei para Manaus com a leitura ainda por concluir, e ao me aproximar do final, já ia sentindo uma enorme saudade. Terminar o livro significaria não mais ter a companhia do poeta todas as noites antes de dormir, e o pior, eu sabia que o desfecho seria um fim doloroso, a morte, e essa é uma dor que nós nunca estamos preparados para encarar.

“E por falar em paixão…” o carnaval também é uma das minhas, e esses dias, ao ouvir o samba enredo da União da Ilha, que faz homenagem ao centenário de Vinicius, uma energia percorreu meu corpo, me arrepiei e percebi que era chegada a hora de falar sobre este grande poetinha.

Para isso voltei a reler os trechos principais do livro, todos anteriormente marcados, consultar poemas e vídeos, para tomar coragem e inspiração. É difícil escrever sobre grandiosidades, nossa pequenez se amplia…

Por isso, demorei a começar, só após destrinchar os principais fragmentos do livro a emoção me estimulou dando coragem para contar a você, querida leitora e leitor amigo, minha experiência tão gratificante e feliz.

Eu e Ele

Vinicius e Luciana

Antes de falar da obra de José Castello, quero apresentar algumas coincidências que me ligam a Vinicius. Desde solteira, se eu tivesse um filho homem dizia que se chamaria Vinicius, e brincava completando: “de Morares”. Não tive filho homem, mas batizei minha caçula de Luciana, e tempos depois descobriria que é o nome de uma das filhas do poeta. Vinicius de Moraes nasceu em 19 de outubro de 1937. Dia 19 de outubro também é a data de aniversário de outra Luciana, a que inspirou o nome da minha filha.

E ainda sobre crianças, que não eram o forte de Vinicius de Moraes, mas são o meu desde pequena: Ao retornar do Rio para Manaus, sou recebida dia 20 de março de 2012, com o mais lindo presente de aniversário que já ganhei: nasceu o  filho da minha amiga-alma-gêmea Eliane, a mesma que me indicou a leitura da biografia.

Eu sugeri a ela que batizasse o menino com o nome do poeta, para exibir a sua – a nossa – paixão por Vinicius e pelo Rio. Mas foi escolhido Rafael, tudo bem, é nome de anjo!

Eu e a filha caçula do poeta, Maria, somos da mesma idade. Ao ler como ele se despediu de sua pequena antes de morrer, lembrei-me de mim, que naquela época vivia a mesma fase de vida que ela.

Vinicius morreu na manhã do dia 09 de julho de 1980, mas lendo sua história percebemos que esse processo começou na noite do dia anterior, e foi acontecendo lenta e naturalmente. Também assim nascia meu namoro com meu marido, sutilmente, na passagem de um dia 08 para 09 de julho de outro ano.

Quem me conhece sabe que eu adoro essas coincidências, porque para mim significam muito mais, acredito que nada acontece por acaso, imagino que tudo estava previsto desde o início, e que toda paixão tem inúmeras razões de ser, coisas que só podemos desvendar com o tempo.

O Poeta

A paixão pelas mulheres, pelo Rio de Janeiro e pela liberdade de uma vida sem amarras, está presente em sua maneira de viver e escrever, com destaque para sua opção pela transitoriedade e pelo risco.

Vinicius viveu à exaustão e assim pautou seus escritos, porém sem nunca descuidar dos recursos poéticos que tornaram seus poemas ricos sob o ponto de vista estético.

O termo carinhoso e também pejorativo de poetinha não se adapta à riqueza de sua obra. Vinicius foi mestre na perfeição formal, mas ao mesmo tempo quem mais se aproximou dos ideais modernistas, e o poeta que melhor conseguiu chegar perto na naturalidade e da vida cotidiana. Segundo Antônio Cândido, por todas essas razões ele “só pode ser considerado um grande poeta”.

Para Vinicius “a poesia não é uma arte que se ergue sobre conceitos, mas sobre emoções” daí vem sua marca de impulso para a beleza, a liberdade e o cotidiano. Drummond certa vez disse: “Vinicius foi o único de nós que teve vida de poeta, o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão”.

E é esse poeta que você vai conhecer a fundo. Um homem que não tem medo da vida nem dos preconceitos, que se dedica à música, se faz popular e gravita entre os mais jovens. Alguém que quebra paradigmas, se apaixona e se desencanta das mulheres com a mesma facilidade, uma pessoa que se definiu assim: “Sou um labirinto em busca de saída”.

Trajetória

A biografia preparada por José Castello, vai lhe levar a conhecer as mulheres por quem o poeta se apaixonou, seus parceiros de poesia e música, particularidades de sua vida boêmia não só pelas noites cariocas, mas em diversas partes do mundo.

A cada nova paixão você se envolve, se excita, acredita que será infinito enquanto dure. Ele sempre é o sujeito dos inícios e também dos finais, quando normalmente já têm outra mulher no coração. Não faz cerimônia, nem se preocupa com sentimentos alheios, é desapegado de tudo, parte de cada relacionamento sempre levando apenas sua escova de dentes e seu retrato pintado por Portinari.

Quadro de Vinicius pintado por Portinari

Sua ironia está presente em frases célebres como: “São Paulo é o túmulo do samba” e “Eu gosto muito de São Paulo, o único defeito dessa cidade é que você anda, anda, anda e nunca chega a Ipanema”. Em outra de suas máximas ele repetia que o melhor amigo do homem, não é o cachorro, mas sim o uísque.

Vinicius passou a frequentar São Paulo com assiduidade no final dos anos 50, e apesar das brincadeiras ele gostava da cidade, e dizia: “Gosto de São Paulo porque, no Rio, estou cheio de amigos intelectuais. Aqui estou cheio de amigos-amigos”.

Várias vezes, pegava um taxi em Ipanema e pedia serenamente: “Você me leva a São Paulo, por favor?”. E depois de negociar e convencer o motorista pedia para passar em casa para avisar à mulher e pegar a escova de dentes.

Certa vez, Vinicius disse a seu grande amigo de São Paulo, Zequinha Marques, que vivia para amar. Zequinha discordou dizendo: “Não acredito tanto assim nas coisas que você escreve sobre o amor, Vinicius. Não sei se devemos chamar isso de amor. Quem troca tanto de mulher é porque não pode amar nenhuma. Você tem paixão, entusiasmo, amor, não sei se tem”.  Foi uma das lições mais duras que Vinicius teve que ouvir na vida. (Castello, pág 296)

Você também vai conhecer o lado sombrio, as inseguranças e os sofrimentos do poeta. No final da vida há um tom melancólico e de arrependimento pelos danos que ele próprio causou à sua saúde através de uma vida desregrada e boêmia.

A história de Vinicius revela com clareza o poder que a juventude exerce sobre a cabeça dos mais velhos. Vinicius gostava da companhia dos mais novos para assim tentar apagar de sua mente a idade e a decadência, fatos que ele procurou esquecer e encobrir até o final da vida.

Após 26 anos de carreira diplomática, foi expulso do serviço por “conduta irregular” – ser artista e beber. Apesar de nunca ter gostado do cargo, o poeta ficou sentido principalmente pela maneira como foi demitido, o que para ele foi uma injustiça.

A fase de reclusão na Bahia, serviu para ele dar as costas ao ambiente restrito da intelectualidade carioca que o reverenciava como o poetinha, maneira na qual era chamado contra sua vontade. (Revista Veja, 21/03/2012)

Mas segundo Castello, “Em Itapoã, o mito do poetinha se reforça. O apelido não é pejorativo, é carinhoso – mas traz algo de corrosivo e muito ruim. Ajuda a configurar o retrato do bonachão decaído, do homem ingênuo de retórica fácil e caráter pastoso, do bon vivant a um passo do declínio”. A fase baiana marca um período mais introvertida e solitária do poeta, a saúde e a idade já começam a roubar-lhe a força e a disposição.

Há um fato interessante que não está no livro, mas assisti no programa Arquivo N, da Globo News. Em entrevista, Vinicius se contradiz sobre sua famosa frase “as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Ele diz: “eu já amei feias lindas, feias interessantes, namorei muita mulher que eu considero, esteticamente não eram nenhumas belezas, mas eram interessantes, eram mulheres que tinham alguma coisa…”. Deixando claro que beleza é algo subjetivo, por isso as feias não precisam perdoá-lo.

Quanto à simplicidade do poeta, certa vez ele disse que gostaria de ser apenas Vinicius e não ser Moraes. E ainda sobre seu nome, perguntado por que ele tinha vários estilos ao invés de dedicar-se a um só, ele concordou que era eclético mesmo, era plural até no nome, caso não o fosse não se chamaria Vinicius de Moraes.

Certa vez, quando estava conquistando Lucinha Proença, que viria a ser sua quarta esposa, Vinicius a convida para jantar, como ambos eram casados ela tenta se esquivar dizendo que não poderia, por ser sexta-feira santa. Ao que Vinicius prontamente responde: “Não, Lucinha, não é sexta-feira santa. É sexta-feira da paixão”. E assim teve início mais uma grande paixão!

Quando o tédio começava a tomar conta da relação o fim já estava anunciado, Vinicius não se interessava pelo amor se ele não incluísse a paixão. Ele “age como um deus do tempo. Se é ele quem declara primeiro, o amor, é ele também, quase sempre, quem declara o momento do desfecho. Essas exibições de liberdade se tornam, igualmente, uma exibição de poder. O poeta se engrandece com o amor, mas se engrandece também com a morte do amor – ainda que isso às vezes lhe custe intenso sofrimento. (Castello, pág. 230)

Sua vida foi pautada pela transbordamento da emoção, e é essa viagem que você fará na leitura de sua biografia, presenciando a faceta do poeta de jogar-se e entregar-se sem ponderação aos prazeres, amores, vícios e às palavras que o imortalizaram como escritor, poeta, crítico de cinema, dramaturgo, cronista e músico.

Rubem Braga ladeado por Paulo Mendes Campos, Carlinhos de Oliveira, Sergio Porto, Fernando Sabino e Vinicius de Moraes. – Foto: Blog Candiru

É esse horizonte que você vai descortinar durante a leitura do livro, ao lado de figuras da literatura como Rubem Braga, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Pablo Neruda. Parceiros de música como Tom Jobim, Baden Powell e Toquinho. Histórias como a que deu origem à música mais cantada no mundo, Garota de Ipanema e causos sobre o nascimento da Bossa Nova, entre outras tantas passagens importantes.

Vinicius aparentava ser alegre, extrovertido e feliz, mas como todo ser humano, tinha suas dores na alma, inseguranças, fraquezas e desesperos, não era de todo alegre, porque também era triste. Disse o poeta, “que todo grande amor só é bem grande ser for triste” eu diria, todo grande poeta só é bem grande ser for triste.

Vinicius no plural: paixão, poesia e carnaval. – Desfile da União da Ilha – 2013

P.S.: Quando digo que crianças não eram o forte de Vinicius de Moraes não me refiro à sua obra e sim à suas preferências afetivas, como o leitor poderá perceber lendo a biografia.

Citações

“Vinicius tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”.
Manuel Bandeira

“Eu invejo Vinicius porque ele vive em estado permanente de poesia”
Carlos Drummond de Andrade

“Não tive a coragem do Vinicius. Era o que eu mais gostaria de ter feito: letras de música. Mas tive medo de que me desprezassem”.
Pablo Neruda

“Ex ou futuras mulheres de Vinicius terminarão por reconhecer, mais tarde, que Lucinha Proença foi, de fato, seu grande amor. A prova talvez esteja nos próprios escritos de Vinicius de Moraes. Na crônica ‘Para viver um grande amor’, de seu livro homônimo”.
José Castello

“Sempre que um amigo o procura para desabafar um problema, diz algo assim: ‘Fique calmo, tudo que preocupa não tem a menor importância’. É um modo de consolar, mas também uma maneira de exibir certa imunidade diante do real”.
José Castello

“Tive uma infância pobre mas linda, tão linda que continua em mim ainda”
Vinicius de Moraes

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