Por que eu fui abrir a boca?

29 maio, 2016Flávia Frota

Foto: http://wesmd.com/being-a-good-listener-be-quiet-listen/

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Na crônica Por Que Eu Fui Abrir a Boca, Martha Medeiros conclui seu pensamento dizendo que na próxima encarnação quer vir muda. Isso mesmo, 100% calada. Ela diz que nós, mulheres, temos um certo descontrole verbal, está no nosso DNA. E quem seria capaz de descordar de tamanha verdade?

O filósofo grego Epíteto advertiu: A natureza nos deu dois ouvidos, então devemos ouvir duas vezes mais do que falamos. Sabemos a importância deste conselho e bem que tentamos, mas sempre, depois de um tempo indo bem, com a matraca fechada, a gente relaxa e na hora mais imprópria a língua desliza e solta uma pérola. Pronto, falei! E agora?

Tentar corrigir é sempre pior, o melhor paliativo é mudar de assunto. Depois a culpa e o arrependimento ficam rondando a nossa consciência. E o pior de tudo é a sensação de fracasso. Estava seguindo tudo bem na linha do orai e vigiai, mas de repente, só para nos lembrar que somos humanas e imperfeitas, tropeçamos novamente naquele antigo erro: tagarelar.

Vamos falar aqui sobre os deslizes involuntários, deixemos o veneno e a fofoca para outra ocasião. Sim, pessoas teoricamente bem intencionadas também são indiscretas, magoam e ofendem, algumas vezes sem se darem conta da besteira que estão fazendo.

O estrago não se dá somente na vida de quem ouve, mas também na consciência de quem fala. E outro ditado fica martelando a nossa cabeça: em boca fechada não entra mosca. Mas já entrou, e agora? Não dá para vomitar, vai ter que digerir lentamente e tentar mais uma vez aprender a lição.

Cito aqui um trecho da crônica em questão: Reza a lenda que chique são as mulheres que falam pouco. As econômicas. Aquelas que apenas sorriem, enquanto as outras, histéricas, falam todas ao mesmo tempo. Mulheres caladas, controladas, que nunca dizem nada inconveniente. Elas mantêm um ar enigmático. Dão a entender que já passaram pela fase de palpitar sobre tudo. Disseram o que tinham para dizer no divã do analista e, agora, mais maduras, descobriram a arte de escutar. Só dando na cara. Ah, que tipo maravilhoso, tão perfeitinho, será que elas existem mesmo?

Sim, são reais, mas como criaturas humanas – ou quase humanas – também estão sujeitas às intempéries da língua. Só que, claro, em doses raras e homeopáticas, bem diferentes das nossas repetições frequentes de simples mortais.

Ah, essas mulheres… como nós desejaríamos ser como elas, e muitas vezes até conseguimos representar o tipo dissimulada, 24 horas ligada na moral e nos bons costumes. Mas, ah… é muita monotonia e de repente a gente põe o pé – quer dizer, a língua – na liberdade e bota a boca no trombone. Ai, meu Deus!

Algumas vezes somos as vítimas que ouvem. Outras, somos as bruxas que falam. Como toda verdade tem dois lados e ninguém é de todo mau e tampouco completamente bom, ficamos oscilando entre as duas modalidades: ouvinte e falante.

Quem ouve se chateia, responde, revida. As mais inteligentes se calam. As sábias analisam os fatos e tiram suas conclusões com cautela. Como nós não podemos modificar os outros, temos que tentar transformar a nós mesmas, exercitar a tolerância, tentar compreender a outra com mais compaixão ou afastar-se de vez daquela víbora.

Quem fala o que não deve, mas já evoluiu para o estágio de se perceber, imediatamente se dá conta da besteira que fez. Aí a única alternativa é se policiar cada vez mais a fim de evitar novas saias justas no papel de bocuda. Esta comadre também pode – e deve – evitar conversar com aquelas Fulanas com as quais sempre derrapa – que geralmente são as mesmas.

O mal estar vai somatizando, a faladeira vai ficando tão cuidadosa, com tanto medo de falar demais – e novamente – para a mesma vítima, que não consegue ficar à vontade e inevitavelmente repete o erro. Vocês já repararam que nessas situações quanto mais a gente pisa em ovos mais escorrega?

Por isso o melhor remédio é estar em boa companhia, ao redor de pessoas que nos aceitam como somos, gente como a gente, cheia de erros e limitações. Criaturas compreensivas e pouco melindradas são mais fáceis de conviver, aceitar e serem aceitas.

Quando der, procuremos escolher com quem conviver. Mas como nem sempre isso é possível, vamos exercitar bastante:

1. Boca fechada.
2. Distância de quem nos faz mal – seja como ouvinte ou como falante.

Regrinhas de boa convivência em prática e viva a vida! Vamos orar, vigiar e relaxar… Não tem jeito, mas cedo ou mais tarde a boca vai nos trair novamente. Aí a gente lembra que pior mesmo é ser muda. Martha Medeiros que me desculpe, mas eu quero continuar usufruindo do dom da fala, apesar dos pesares.

Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, ficaria mais triste se fosse eu o ofensor… Magoar alguém é terrível.
Chico Xavier

Traduzindo para o palavreado de mulheres com DNA falador:
Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, fico mais triste quando a ofensora sou eu.

Leia aqui a crônica de Martha Medeiros – do livro Coisas  da Vida