Um Tigre e Muita Indiferença

11 agosto, 2014Flávia Frota
Foto: Vanderlei Faria / Prefeitura Municipal de Cascavel-PR

Foto: Vanderlei Faria / Prefeitura Municipal de Cascavel-PR

Assistindo às imagens das brincadeiras imprudentes do menino Vrajamany Rocha, no zoológico de Cascavel, fica difícil acreditar que um pai possa ter presenciado aquilo sem tomar nenhuma atitude para proteger o filho. Enquanto a maioria das pessoas busca apontar um culpado, jogar pedras e condenar, eu prefiro analisar os fatos com bom senso.

É humanamente impossível que aquele pai estivesse bem naquele momento. É evidente que havia algo errado com ele, não sei o que, mas normalmente qualquer pai avançaria para cima do filho e o arrancaria na marra daquela situação de perigo. Se ele não o fez, é porque, por algum motivo que nós desconhecemos, não teve condição – talvez emocional, psicológica ou mental – para fazê-lo. Mas, o que me surpreende nessa história não é o tigre, o pai nem o menino – e nem mesmo a segurança do zoológico – mas a indiferença das pessoas ao redor.

Vamos usar a matemática:
Havia
1 tigre
1 criança
1 pai
1 segurança – que não fica parado, estava circulando.

E várias pessoas – pais e mães, inclusive, suponho. E nenhuma – nem 1 – tomou uma atitude que impedisse o ataque do animal. Eu digo ataque porque não considero o acontecimento como acidente ou fatalidade, era algo perfeitamente previsível e evitável. Houve tempo de sobra – muita gente assistindo e filmando o episódio – para que acontecesse uma interferência enérgica. Até parece que enquanto não houvesse agressão dos animais a brincadeira não acabaria.

Então, voltando à matemática, nossa conta é de muitos x 1. Uma pessoa pode falhar, afinal errar é uma das grandes características do ser humano. Mas como explicarmos uma plateia, mansa e acomodada diante de uma tragédia previsível? Isso para mim é indiferença de uma mentalidade covarde que pensa: o filho não é meu, não vou me meter, posso me complicar, arranjar encrenca, o pai que cuide.

Eu queria saber se fosse uma criança de 3 anos de idade e estivesse batendo no filho de alguém ou riscando um carro, tenho certeza que “feras” avançariam em defesa de suas crias e de seu patrimônio sem pensar em respeitar o pai e muito menos a criança. Afinal, é comum vermos adultos se trocando com crianças pelas mais diversas besteiras, ofendendo os pais e até mesmo os pequenos pelos motivos mais banais.

Quer dizer que se uma mãe ou um pai for doente mental, estiver em depressão, bêbado ou drogado, seus filhos estarão fadados a todo tipo de perigo porque ninguém pode se meter?

Culpar este pai seria muita crueldade, embora seja notável a imprevidência e falta de responsabilidade dele, não acredito que naquele momento – talvez em todos – ele estivesse em perfeito estado de discernimento mental. Este pai já foi condenado pela vida e possivelmente também será pela justiça. Então, vamos poupá-lo do veneno de nossas línguas, de lições de moral e dos nossos exemplos de superpais – os mais dedicados, protetores e quase perfeitos.

Ora bolas! Criança cega, cansa, irrita e ultrapassa todos os limites de paciência, mesmo das pessoas que as amam incondicionalmente. Apesar do caso Vjadorf não se encaixar no ditado “criança cega” porque a desgraça estava na cara e houve tempo demais para agir e evitá-la, nenhuma dessas pessoas “super” bem qualificadas teve a capacidade de interferir com responsabilidade. Essa indiferença é porque o que estava ocorrendo não afetava o bem estar de ninguém da “plateia”.

Podemos tentar nos defender dizendo que na atualidade nem mesmo professores podem mais exercer sua autoridade perante os alunos porque os pais tendem ser indelicados e até ameaçadores, em muitos casos dando razão somente para seus filhos. Mas, mesmo diante de todas as inversões de valores que vivenciamos em sociedade, a essência de cada um de nós prevalece, e diante de ameaça à vida, o instinto, os valores éticos e morais devem prevalecer.

Caso Bernardo

Esse caso do zoológico me fez lembrar a morte do garoto Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, assassinado em Três Passos – interior gaúcho – em abril deste ano. Nesse episódio as pessoas ao redor também tentaram interferir, mas o resultado foi o mesmo que aconteceu com Vrajamany, para não se indispor com o pai e a madrasta, deixaram as coisas acontecerem.

Até a justiça foi generosa com o pai de Bernardo – a meu ver, ingênua ou negligente – acreditando que depois de uma denúncia feita pela própria criança, ao invés de uma medida drástica de vingança o pai se tornaria bonzinho.

Leia: Menino Encontrado Morto em Matagal

Mudança de Atitude

Sou mãe e tenho aversão a pais negligentes e preguiçosos, da mesma maneira que não compreendo a passividade de quem está ao redor e prefere dar sorte para o azar.

Nada justifica a acomodação mediante o perigo e o sofrimento de alguém, não existe desculpa e a consciência pesada é a maior prova disso. Os dois casos citados aqui são apenas uma gota d’água diante dos inúmeros que ocorrem em nosso cotidiano e por covardia fingimos não ver, achamos que não é de nossa conta e seguimos nossa vidinha egoísta e indiferente. Lamentável!

Fantástico

O depoimento da mãe de Vrajamany inocentando o pai e a entrevista com o garoto no Fantástico, deixam pairando no ar algo muito simplório e conformista. Tive a impressão de que a criança havia perdido uma unha por acaso e não um braço – quando o mais provável seria a vida – por imprudência. Achei bonito o otimismo, a vontade de viver e a lição de superação, mas perder um braço é motivo de sofrimento sim, e muito. Não dá para fingir que nada aconteceu.

Entrevista no Fantásticos: “Meu pai não teve culpa”, diz menino que perdeu braço após ataque de tigre

O Tigre

E por fim, a parte mais triste da história, mas que supostamente não diz respeito à vida do ser humano: um tigre enjaulado, privado de seu habitat natural e de liberdade.

Pobre animal, presa fácil do egoísmo humano! Como cita o site World Animal Protect: “Exímio caçador na natureza, um dos mais fortes e poucos felinos habituados a nadar, ele será alimentado com pedaços pré-cortados de carne e não poderá alcançar velocidade maior do que a de uma arrancada breve. Privado de caçar, nadar, correr, escalar, se camuflar, acasalar e conhecer outros da mesma espécie, ficará deitado. Ou irá de um lado ao outro dentro da jaula, por toda a sua vida”. E nós mais uma vez como passivos telespectadores diante de uma tela de televisão, assistindo a tudo sem contestar, sem intervir, sem mudar.

Como sou otimista, sei que esta realidade retrata apenas a maioria, mas há uma minoria de mentes inquietas agindo e se manifestando para modificar realidades tristes como as expostas aqui. Eu acredito num futuro melhor, por isso escrevo e sei que você também, por isso leu este artigo até o fim. Muito obrigada!

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